8º dia das férias no asfalto. Quase a terminar, passamos
quase o dia todo em Veneza. É uma cidade muito especial… no meu caso, é a
terceira vez que cá venho e fico sempre impressionado com a beleza e o charme
desta nobre cidade… os canais, as pontes, as praças, as casas antigas e
degradadas, as ruas estreitas que serpenteiam a cidade e onde nos podemos
perder e ser surpreendidos ao virar de uma esquina…
Chegamos ao final da manhã a Mestre (cidade vizinha de
Veneza) onde fizemos check-in e deixamos o carro estacionado, depois foi só
tirar o passe de autocarro e de vaporetto e iniciar a nossa aventura por terras
Venezianas!
Chegamos à única entrada terrestre de Veneza – a Piazzale
Roma logo ao lado do termini de comboio. A partir daqui teríamos de caminhar
atravessando o grande canal pelas pontes ou apanhar o Vaporetto… Assim fizemos,
ao chegar a Veneza há uma impaciência em saltar para um barco e explorar por
via marítima a cidade… a pé não é a mesma coisa, é quase vulgar, afinal
qualquer cidade permite passear a pé, mas Veneza não, Veneza convida a ser
descoberta pela água, Veneza convida a ser penetrada pelos seus canais grandes
ou pequenos, de Vaporetto, de Taxi ou de Gondola,…
Começamos por dar a volta à ilha por fora (lado Sul),
passamos ao lado dos grandes barcos cruzeiros (um deles tinha uma parque
aquático com escorregas e cascatas de água, outro tinha um recinto de basquete
coberto por uma rede para que as bolas não saltassem para a água).
Logo
avistamos a Piazza S. Marco, a Torre, o Palácio Ducal e a Basílica… que trio!
Estes três monumentos, só por si,
representam o centro de Veneza, mas optamos por seguir caminho, mais tarde
voltaríamos ao epicentro turístico da cidade-ilha… seguimos viagem pelo grande
canal até ao Rialto… ao avistar a ponte, lembrei-me da Ponte Vecchio de
Florença e como ambas se transformaram em locais muito pouco agradáveis…
turistas a mais, lojas a mais, vendedores de produtos de contrafação a mais,
policias à procura de vendedores de produtos de contrafação a mais, pedintes a
mais, ladrões a mais, até calor a mais,… rapidamente fugimos da confusão e percorremos a margem do grande
canal à procura de uma esplanada agradável para almoçar.
O almoço não foi digno de registo neste blog, vulgar,
simples, caro,… já devíamos ter aprendido, não vale a pena procurar boa mesa
onde abundam tantos turistas, presas preguiçosas ou ingénuas, logo fáceis de
capturar,…
Agora sim, com as forças recuperadas, aventuramo-nos pelas
ruelas da cidade a pé. Às vezes ficávamos perdidos e entravamos em becos sem saída
perante um pequeno canal com uma ou duas Gondolas atracadas… lá dentro um
senhor de camisola às riscas e chapéu de palha… Quanto custa um passeio de
Gondola? 80€ um passeio de meia-hora, 120€ um passeio de uma hora… as respostas
não variavam, estávamos perante um caso claro de cartelização das Gondolas! Ou
será mesmo uma mafia que controla esta indústria? Devíamos fazer uma queixa à
autoridade da concorrência, ou será a autoridade contra a concorrência? Tenho a
certeza que 99% dos pedintes e vendedores ambulantes estariam dispostos a dar
aos braços e navegar as Gondolas por Veneza por um décimo do preço!
Após muitas voltas, muitas praças e pracetas, ruas e ruelas,
umas com esplanadas outras com poços bem tapados (não fosse um turista mais
curioso espreitar, cair e descobrir os segredos mais profundos desta cidade),
chegamos novamente à confusão… era a Praça de S. Marco, as pombas partilhavam o
pouco espaço ainda disponível com os turistas que acabavam de chegar. Elas,
pelo menos, podiam fugir voando por cima dos turistas, nós eramos alvos fáceis
para os fotógrafos amadores, pedintes, vendedores de brinquedos, empregados de
esplanada com excesso de zelo, etc…
Vamos fugir novamente para o Vaporetto! Seguimos pelo grande
canal, sentadinhos à sombra, escondidos dentro do barco, olhando os turistas
que entravam e saíam como se estivéssemos num filme, entretidos a comentar as
roupas, as caras, os corpos, as expressões, as falas,… um filme dentro de um
filme, eramos ao mesmo tempo espetadores e atores, todos neste majestoso
cenário de Veneza, que nome dar ao filme? Turista acidental? Não, não me parece
muito original e nem viemos cá parar por acidente, somos culpados e pouco
ingénuos, talvez sejamos masoquistas,…
Decidimos visitar a ilha de Murano. Apanhamos outro barco e
15 minutos depois estávamos a desembarcar num ambiente mais calmo. Muitas
lojas, mas muito menos turistas,… e depois, havia arte, podia não ser arte com
direito a museu, mas era bela,… peças de vidro com formas e cores diferentes
decoravam as montras, fábricas fechadas outras transformadas em ateliers ou
‘museus do vidro’ ou lojas,…
De repente, já cansados e com muita sede, fomos convidados a
entrar num bar por uma música… um som bem alto de acordes de guitarra saíam à
rua… e agarraram-me com força! Eram acordes familiares, demasiado familiares,…
acordaram-me, conhecia bem aquela música, mas como reconhece-la?! Uma sensação
estranha como quando vemos uma cara muito conhecida mas não nos lembramos de
onde… será um ex-colega da empresa? Será um colega da faculdade? Será um
vizinho antigo? Será apenas alguém com quem me cruzei uma vez no comboio há
muitos anos? Será um primo afastado?... Não, esta música não era o resultado de
um encontro fortuito, nem uma companhia forçada de qualquer momento vulgar, saída
de um carro ou da janela de um vizinho, esta música batia cá dentro,… já estava
dentro de mim,… cada acorde da guitarra acordava-me por dentro, sentia arrepios
e uma lágrima espreitava o canto dos olhos,… e então surgiu a voz, uma voz
melodiosa, grave, fantasticamente casada com a guitarra,… eram os Pink Floyd!
Entrei, sentei-me e pedi uma birra gelada… fiquei a beber sofregamente,… a
cerveja e a música,… o empregado, nos seus quarentas olhou para mim e
perguntou: Gosta dos Pink Floyd? Eu olhei para ele, um sorriso rasgado, e
respondi: sim, muito! E ele comenta: são
os melhores do mundo, de sempre,… e seguiu ao ritmo da música,…
Este episódio acabou por marcar minha visita a Veneza, tenho
a certeza que será uma âncora, sempre que ouvir Pink Floyd vou-me lembrar de
Veneza, sempre que me lembrar de Veneza
vou ouvir Pink Floyd… Mal cheguei ao hotel, descarreguei um ‘best of’ do
itunes e ouvi o álbum todo com os meus auriculares, de olhos fechados,… Hey
you, Money, The Fletcher Memorial, The Wall, Comfortably Numb, etc… ao fim de
trinta anos, cada letra, cada acorde ressonavam na minha cabeça e no meu corpo
como se tivesse voltado atrás no tempo! Interessante o efeito que a música pode
ter em nós…
Regressamo a Veneza, sabíamos onde ir jantar, a Joana tinha
escolhido um ristorante com esplanada aquando da primeira passagem por uma
ruela. Fomos lá ter direitinhos, sentamos e pedimos,… fusili de pasta fresca
(pareciam pequenos gnocchi esmagados por mãos experientes, al dente!) com
melanzana e molho da mesma para mim e para a Joana, um típico tagliateli al
ragù para o ZP e um spaghetti com misto de vivaldes (vongole, cozes, etc…) para
a Teresa. A acompanhar um soberbo Pinot Grigio do Alto Adige,… huuummm, agora
que estou no avião a caminho de casa a escrever estas linhas sei que terei de
ser eu a cozinhar estas delicias italianas,… o que farei com um prazer ainda
maior…
Já com a noite a cair, passeamos novamente pela Piazza S. Marco, um ambiente mais aliviado, menos turistas, música no ar,...
Voltamos ao hotel a Mestre, terminava o penúltimo dia das
férias no asfalto,… o corpo cheio de quilómetros de carro, milhas de barco e
milhares de passos , a mente cheia de imagens e sons, o coração cheio de
emoções, as saudades da Té e do JP, pediam uma noite de sono reparadora, amanhã
seria o último dia das férias,… uma viagem calma de Veneza até Bergamo, ou será
que não?...
Beijinhos e abraços com saudades…